quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A Galinha, a Flor, o Homem e a Paciência

Pouco importa quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. Depois que o casal galináceo se enamora, é inevitável que uma dúzia de ovos apareça. É como passar a bola de boliche na caçapa de sinuca. Então, da merda dá-se à vida. Dentro daquela fina casca, o futuro pintinho vai se formando. Enquanto gema e clara, é fácil se manter lá. Quando o corpo vai se tornando sólido, a casca deve começar a incomodar. Incomoda, incomoda, incomoda, incomoda. Até que um belo dia o animalzinho perde a paciência e chega à conclusão que ali não dá mais pra ficar. Fórça, geme, pára. Tenta de novo. E finalmente tem que fechar os olhos por culpa do Sol.

O tempo passa, e o pintinho se transforma em uma galinha, ou galo. E como todos os animais, precisa fazer suas necessidades físicas, e o bode expiatório é a terra. Essa, que por sua vez, recebe sementes do ar, dos pássaros e das plantas. Como o chão está adubado, as sementes fecundam. Logo, da merda dá-se à vida. Assim como o ovo, a semente é uma casca, e assim como os dois a terra também. Perde-se a paciência uma vez, para estourar a semente, e perde-se a paciência de novo para perfurar a terra, encontrar o Sol e florescer esbanjando beleza.

Fugindo a lógica, o homem não nasce da merda propriamente dita. Mas, não tem problema. Ele aprende a andar em duas pernas, a falar, a ler e, o mais repugnante, a manter a paciência. Estuda o que não quer, trabalha com o que não gosta. Cria-se então uma casca. Ao invés de tentar quebrá-la, o homem se esconde nela do patrão, da mulher, de si. Entre um copo e outro de alguma bebida ruim, ele até perde a paciência, mas só reclama e tropeça nos próprios pés, até cair no chão. Portanto, para os homens, da vida dá-se à merda.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Derretendo

Com certeza a única coisa que é mais difícil que abrir os olhos todos os dias ao acordar, é trabalhar 8 horas a fio dentro de um cubículo quente cheio de gente apressada. A única saída deste inferno é a porta da frente, mas a ironia não o deixa sair, já que é exatamente pela porta da frente que seus problemas começam.

Não era só o “trabalho de presidiário”, como alguns amigos me zombam, que deixa meus nervos a flor da pele. É aquele calor, aquela gente suada, a falta de educação por falta de tempo. Na verdade, as minhas funções são simples. “Bom dia! Creme, chocolate ou mista?”, depois disso basta um pouco de habilidade, mas isso se aprende com o tempo. Adaptação.

Em uma cidade que o calor dura as quatro estações do ano, ele passa a ser mais um fator irritante no dia-a-dia. Não é que o frio seja melhor, cada um tem seu charme, mas assim dá pra perceber melhor que o inferno é a própria Terra. O ônibus já vem lotado e suado, a comida gordurosa bafora tanto quanto as poucas brisas que circulam no ar. O tempo se derrete, e vai rastejando, isso nas horas de trabalho, claro!

Então entre uma condução e outra, as pessoas procuram um oásis, acho que é essa minha função. A ironia, essa não larga do meu pé, é que passo tanto tempo sem tempo refrescando os outros, que não consigo me refrescar. A fila cresce no mesmo ritmo que distribuo os pedidos. Precisava de uma chaminé na minha cabeça. Fica-se lá, trabalhando, suando, e vendo seus clientes com tudo que se precisa naquele momento.

Calor é bom para ficar à beira d’água. Tomar cerveja gelada e olhar as mulheres. Mas, as pessoas teimam em colocá-lo para trabalhar. “Bom dia! Creme, chocolate ou mista?”. Na mão, casquinha, guardanapo e sorvete. Na boca, sede.